quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O que o Alzheimer me deu.


Hoje minha avó faz 78 anos.
Meus pais estão em casa, arrumando o jardim e as comidinhas pra quem há de chegar pro bolinho da tarde.
Minha avó mora com a gente há 4 anos.
Há 4 anos os sintomas do Alzheimer, deram medo nela, que consciente do que estava para vir, pediu pra ficar aqui. Ela que é mãe do meu pai, só se sentia confortável na casa da minha mãe.
A doença não é fácil. Assistir alguém que você ama indo embora um pouco todos os dias, dói.
No caso da vó, que sempre fora uma mulher com muita personalidade, muito cuidadosa com a casa, uma super avó, isso ficou ainda mais evidente.
Eu costumo brincar que eu tenho duas avós: a de antes e a de agora. E eu amo as duas na mesma, mas ainda acho que a de agora me ensina ainda mais que a de outrora.
O Alzheimer não tem cura. Nossa dor também não.
Mas, nesses anos aprendemos a driblar qualquer choro inconveniente no meio do dia, com uma risada ou um 'Que isso vó?'
O que mais dói não é o que ela não lembra... Isso se aprende a lidar. O que mais dói é ver uma família inteira, que costumava se reunir todo domingo, acabar.
Sim, acabar. Porque é fácil estar junto quando tudo soa um comercial de margarina.
Eu não posso e nem consigo ter o mesmo carinho por alguém que tendo o mesmo sangue que o meu, tendo conhecido a D. Nice que eu conheci, ainda assim foge do compromisso que filhos devem ter com mãe, amor incondicional que filhos tem por mães e sugere que devemos sim, colocá-la em um asilo.
Afinal, ela não é mais a mesma. Mal sabe ele, que quem se degenera a cada proposta dessa ou cada fuga, é ele. Eles tem filhos, eles tem família e esse é o exemplo que dão.

-Hey, aqui em casa essa idéia não passa da porta, não é bem-vinda, nem considerada. Aqui ainda sabemos que a Vó Nice existe, ela tá aqui na varanda e há cinco minutos viu um disco-voador... Quer saber? Eu também vi!

Minha vó é aquela que fazia leitinho queimado com canela pra garganta que doia, a que fazia montinho nos pés com o cobertor pra espantar o frio, ovo quente pra comer de colherzinha, jogava dama e dominó comigo até o olho fechar e me ensinou a ser uma expert em jogo da velha.
Minha vó me acordava cantando Maria Bonita, o café já estava pronto. O shampoo no seu banheiro era sempre o Seda pra cabelos pretos e o sabonete Phebo.
Até hoje, só de sentir o cheiro de phebo eu sou transportada no tempo e espaço... E, lembro dela penteando seu cabelo preto e liso e reclamando que era ruim demais ser "boi lambeu". Me fazendo ficar feliz com meus cachos mesmo ainda invejando os seus.
Alguém que pode experimentar toda a generosidade  de uma mulher, que tendo 3 filhos homens, ainda carregava água na cabeça pro banho deles, simplesmente por amor. Ainda assim, pode negar esse amor de volta. Eu não.
A minha avó amou muito e eu sou uma vítima declarada disso, ele está nas fotos, ele está quando por um segundo, ao cantarmos "Carinhoso", olhamos nos olhos uma da outra e sabemos que vai ficar tudo bem.
Já está tudo bem.
Ela pergunta por eles, a gente tem vontade de falar que eles não ligam mais pra nada além da divisão do apartamento e que ela virou trabalho pra eles, a visita inconveniente e ignoram que dentro do peito, bate um coração, com marca passo, mas ainda cheio da gente lá dentro.
Minha vó de agora me ensinou que o amor que você dá pode não ser o amor que você tem de volta.
Minha vó de agora acha que minha mãe é sua filha. Isso me ensinou que sangue influencia muito pouco.
Acho que minha mãe também acha que ela é sua mãe, não o fosse assim, ela não a colocaria todas as noites pra dormir com um beijo de boa noite... Mesmo que ela levante dez vezes pela madrugada, dez vezes minha mãe está lá.
Meus motivos para comemorar hoje são imensos: Tenho uma avó que me ama há 25 anos e ainda me olha como se eu tivesse cinco e precisasse que ela me mostrasse o mundo. E, eu o vejo pelos seus olhos.
Sou a neta que está do lado dela, sou quem assiste desenho animado do seu lado, sou quem ouve suas histórias, sou quem inventa histórias pra confortar suas angústias. Somos uma família. Meus pais, eu, meu irmão, ela e a Márcia.
Descobri que minha família é que eu escolhi.
E, meus pais são os filhos que um dia eu quero ser.
Esse é a maior lição que minha vó me dá todos os dias e que me fala desde que sou criança: 'A gente só dá, aquilo que tem". E, é verdade, caráter e amor, ou você tem ou você não tem.

Obrigada vó, por mesmo quando esquece de tudo, ainda lembrar que eu sou sua menina.
O Alzheimer não nos tirou nada, ele nos deu um amor mais forte.

3 comentários:

Clarissa Benvindo disse...

Não preciso nem falar... só quem passou por essa situação, sabe como é!
Mas o engraçado é que em todas as famílias sempre tem aquele que renega, mas também tem sempre aquele disposto a encarar tudo!
Bom que nossas famílias são assim!
Beijos pra todos aí e principalmente pra ela!

Éliane Bélanger disse...

Muito obrigada para seu texto emocionante. Quem encontrou sua familia e entrou na sua casa sabe que tem alguma coisa excepcional la. Voces fueram o sol do meu brasil.
Um beijo para vocês todos, e parabens para a vovo!

Vitezi + Renovada disse...

Annanda se me permite comentar,
sua mãe me deu o link
e eu que também amo poesia
vim aqui te acompanhar.
Emoção ao ver sua avó
você homenagear.
Siga sempre em frente
poucos nos conhecemos.
Mas fica aqui uma lição.
Nós somos o que somos
Somos um só só
Em uma única união.
Para ser família,
basta amar o outro como um "irmão".