quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Com amor, eu.

Você não devia ter me amado. Abriria mão do sorvete, do abraço forte, dos lápis de cores.
Queria que não fosse nada mais que mais um. Uma conta tola, uma lembrança amassada no fundo de algum armário velho.
Não. Você tá ali, feito troféu, reluzente. Mas, não fui eu que te ganhei no último verão.
As brisas do Oceano te despejaram aqui, quase em cima de mim. Pra ser proibido mesmo, como quem quer ser a melhor maçã, sabendo-se mortal, pede pra não ser devorada, mas, só por hoje, você queria que eu te tirasse uma lasca.
Você tem me deixado bêbada todos esses dias. Tenho 900 dias de ressaca e pra melhorar, precisaria de doses cavalares do seu peso sobre mim.
Não posso ter seus pedaços enquanto ainda existe o querer inteiro.
Queria a vida toda e mais duas ou três. Queria curar minha febre no teu pescoço, arrumar uma cabana e ir morar na praia só pra te ver pescar de bermuda e chinelo e ver tua pele envelhecida, castigada pelo Sol e pelo quanto não te deixaria pegar no sono. Contaríamos estrelas e histórias. Seria eu, você e maresia.
 Por isso, por certo, digo que você não deveria ter me amado.
E toda essa revolta que tua chegada me trouxe, vira nada quando eu tenho que enxugar tuas lágrimas com aquele velho vestido rodado.
Tem razão o que não é pra sempre?
Nos últimos cinco minutos parimos uma filha e até o final desse texto terei ainda mais três meninos pra você dar o nome.
E, agora eu que já não sei mais que nome dar pro que já não fomos. E reluto a cada vírgula perguntar o que podemos ser.
Teus filhos pesam em mim. São as memórias que você cravou com unhas e algodão doce em cada centímetro de tudo ao meu redor.
Sem beijo pra dormir, sem querer saber se estou bem depois de descer ruas escuras.
Os véus sobre nós dois não passam de bobeiras ditas a meia luz, de tudo que se calou.
Enquanto você apruma a vela pro próximo destino, sambemos juntos ao som da velha cuica.
Deixe que o nosso ritmo passe, me abraça forte que eu já to preparada pra uma próxima canção.
Que nossos novos pares sejam doces e que que a gente viva o amor como ele deve ser, todo dia, feito oração.

Descortino tudo e as janelas, portas e frestas levam ao sabor do vento o que um dia foi o nosso amor.
Assim mesmo como quem é leve, fluido e arrepia.
Torço pra que ele seja respirado por pulmões ávidos e prontos pra uma aventura.
Te amar é o melhor desvio do meu caminho.


quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O que o Alzheimer me deu.


Hoje minha avó faz 78 anos.
Meus pais estão em casa, arrumando o jardim e as comidinhas pra quem há de chegar pro bolinho da tarde.
Minha avó mora com a gente há 4 anos.
Há 4 anos os sintomas do Alzheimer, deram medo nela, que consciente do que estava para vir, pediu pra ficar aqui. Ela que é mãe do meu pai, só se sentia confortável na casa da minha mãe.
A doença não é fácil. Assistir alguém que você ama indo embora um pouco todos os dias, dói.
No caso da vó, que sempre fora uma mulher com muita personalidade, muito cuidadosa com a casa, uma super avó, isso ficou ainda mais evidente.
Eu costumo brincar que eu tenho duas avós: a de antes e a de agora. E eu amo as duas na mesma, mas ainda acho que a de agora me ensina ainda mais que a de outrora.
O Alzheimer não tem cura. Nossa dor também não.
Mas, nesses anos aprendemos a driblar qualquer choro inconveniente no meio do dia, com uma risada ou um 'Que isso vó?'
O que mais dói não é o que ela não lembra... Isso se aprende a lidar. O que mais dói é ver uma família inteira, que costumava se reunir todo domingo, acabar.
Sim, acabar. Porque é fácil estar junto quando tudo soa um comercial de margarina.
Eu não posso e nem consigo ter o mesmo carinho por alguém que tendo o mesmo sangue que o meu, tendo conhecido a D. Nice que eu conheci, ainda assim foge do compromisso que filhos devem ter com mãe, amor incondicional que filhos tem por mães e sugere que devemos sim, colocá-la em um asilo.
Afinal, ela não é mais a mesma. Mal sabe ele, que quem se degenera a cada proposta dessa ou cada fuga, é ele. Eles tem filhos, eles tem família e esse é o exemplo que dão.

-Hey, aqui em casa essa idéia não passa da porta, não é bem-vinda, nem considerada. Aqui ainda sabemos que a Vó Nice existe, ela tá aqui na varanda e há cinco minutos viu um disco-voador... Quer saber? Eu também vi!

Minha vó é aquela que fazia leitinho queimado com canela pra garganta que doia, a que fazia montinho nos pés com o cobertor pra espantar o frio, ovo quente pra comer de colherzinha, jogava dama e dominó comigo até o olho fechar e me ensinou a ser uma expert em jogo da velha.
Minha vó me acordava cantando Maria Bonita, o café já estava pronto. O shampoo no seu banheiro era sempre o Seda pra cabelos pretos e o sabonete Phebo.
Até hoje, só de sentir o cheiro de phebo eu sou transportada no tempo e espaço... E, lembro dela penteando seu cabelo preto e liso e reclamando que era ruim demais ser "boi lambeu". Me fazendo ficar feliz com meus cachos mesmo ainda invejando os seus.
Alguém que pode experimentar toda a generosidade  de uma mulher, que tendo 3 filhos homens, ainda carregava água na cabeça pro banho deles, simplesmente por amor. Ainda assim, pode negar esse amor de volta. Eu não.
A minha avó amou muito e eu sou uma vítima declarada disso, ele está nas fotos, ele está quando por um segundo, ao cantarmos "Carinhoso", olhamos nos olhos uma da outra e sabemos que vai ficar tudo bem.
Já está tudo bem.
Ela pergunta por eles, a gente tem vontade de falar que eles não ligam mais pra nada além da divisão do apartamento e que ela virou trabalho pra eles, a visita inconveniente e ignoram que dentro do peito, bate um coração, com marca passo, mas ainda cheio da gente lá dentro.
Minha vó de agora me ensinou que o amor que você dá pode não ser o amor que você tem de volta.
Minha vó de agora acha que minha mãe é sua filha. Isso me ensinou que sangue influencia muito pouco.
Acho que minha mãe também acha que ela é sua mãe, não o fosse assim, ela não a colocaria todas as noites pra dormir com um beijo de boa noite... Mesmo que ela levante dez vezes pela madrugada, dez vezes minha mãe está lá.
Meus motivos para comemorar hoje são imensos: Tenho uma avó que me ama há 25 anos e ainda me olha como se eu tivesse cinco e precisasse que ela me mostrasse o mundo. E, eu o vejo pelos seus olhos.
Sou a neta que está do lado dela, sou quem assiste desenho animado do seu lado, sou quem ouve suas histórias, sou quem inventa histórias pra confortar suas angústias. Somos uma família. Meus pais, eu, meu irmão, ela e a Márcia.
Descobri que minha família é que eu escolhi.
E, meus pais são os filhos que um dia eu quero ser.
Esse é a maior lição que minha vó me dá todos os dias e que me fala desde que sou criança: 'A gente só dá, aquilo que tem". E, é verdade, caráter e amor, ou você tem ou você não tem.

Obrigada vó, por mesmo quando esquece de tudo, ainda lembrar que eu sou sua menina.
O Alzheimer não nos tirou nada, ele nos deu um amor mais forte.