domingo, 12 de outubro de 2008

seja comigo?

A verdade é que não sinto que seja muito diferente assim.
“vocês estão sendo observados, o comportamento, tudo”
Brada, a animadora da festa.
Li por aí que tudo na vida se resume a duas coisas: assimilação e adaptação.
O cheiro de chuva, é o mesmo daquela tarde de fevereiro.
E toda vez que o sinto, vem como um filme, o banho de chuva, e as lágrimas.
Eu era bem pequena, e a morte do tio da mamãe pareceu divertida.
Quando chegamos da praia, naquela tarde de verão, ainda sujos de areia, vovó com lágrimas nos olhos, nos disse da morte, inesperada, repentina...e?
Comemoramos.
Alguém disse que ele era um tio gozador, feliz.
E, assim deveria ser a morte dele também. Ele não iria querer que perdêssemos aquela chuva que cheirava como nenhuma outra, que caia no asfalto e evaporava.
Bom, ele evaporou, a chuva e os detalhes da história também.
Aquela tarde não.
Os adultos choravam, junto com as nuvens.
E, assim com cheiro de chuva, vêm essa memória, e alguma mais recente que eu adaptei a essa que eu assimilei.
Bom, queria falar sobre crianças. Mas, eu fui criança intensamente.
E, não sei como escrever sobre isso. Talvez seja o tipo de coisa que escrito, pronunciado, pareça menor do que foi na realidade.
Então, em memória da minha infância, prefiro deixá-la lá...acontecendo, sendo infância.
E, a melhor maneira de dizê-la, se isso tiver que ser feito, seria falando de como ela começou a acabar, na chuva.
Talvez ali, naquela chuva, com o biquíni, meus avós e a pracinha, eu tenha começado a crescer, porque mesmo não sentindo tanto quanto os mais crescidos, eu sabia que o tio boêmio, que eu nem conhecera direito, não iria mais voltar, nem para casa, nem para chuva.
E, como, quando criança, detesto tristeza, mentira e dias iguais.
A morte, não me apeteceu, tampouco pareceu-me triste.
Ali resolvi que não deixaria mais ninguém que eu amo morrer...
Uns anos mais tarde, disseram-me que meu avô morreu...
Adultos são mesmo tolos.
Tinha um corpo, algumas coroas de flores, e algumas coroas de véu, aquelas cheiravam, essas choravam(não parecia que cheirassem também).
Minha vontade era contar a verdade.
Ele nunca morreu.
Ele virou criança.
Ele está no meu espelho, nas minhas feições e no queimado da minha pele.
No dia das crianças, eu lembro do meu velho, que andava magro, torto e amoroso.
Que me deu os melhores presentes, as melhores bonecas, as melhores lições.
E, lembrando disso, dos dois velhos que choveram, me sinto criança, me vejo criança, me sou criança e até me sooa criança, a vontade de vê-los e dizer ao parente desconhecido, ao vô saudoso: sê criança comigo?

Um comentário:

Karol Gonçalves disse...

Isso foi quase uma prosa,poeta moderna!
E uma prosa daquelas de emocionar!
Quando minha avó morreu,alguém me disse:karol,agora ela tá andando e rindo de novo!
Mesmo sabendo q não era verdade,agora ao te ler me conforto novamente,ela virou criança!
Tb chovia!